quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Relatos de estupro forçam mudanças no Congo


Taxa de estupro na República Democrática do Congo é uma das mais altas.
Cortes móveis estão realizando julgamentos em vilas no meio da selva.

Honorata Kizende olhou para a platéia e começou com uma simples declaração.

“Não havia jantar,” disse ela.

“Eu era o jantar. Eu, porque eles me chutaram duramente para o chão, arrancaram todas minhas roupas, e entre os dois, seguraram meus pés. Um pegou meu pé esquerdo, o outro o direito. Então todos os cinco me estupraram.”

A platéia, que havia sido convocada por grupos de apoio internacionais e locais e incluía desde políticos importantes até garotos de rua sem calçados, olhou para ela em descrença.

A República Democrática do Congo, ao que parece, está finalmente encarando seu terrível problema relacionado aos estupros, que oficiais da ONU chamaram de 'a pior violência sexual em todo o mundo'. Dezenas de milhares de mulheres, possivelmente centenas de milhares, foram estupradas nos últimos anos nesta terra montanhosa e estranhamente bonita. E muitos desses estupros foram marcados por um nível de brutalidade chocante, até mesmo para os distorcidos padrões de um local assombrado por senhores da guerra e soldados infantis entupidos de drogas.

Após anos de negação e vergonha, o silêncio está sendo quebrado. Graças a esforços de organizações internacionais e do governo congolês nos últimos nove meses, os estupradores não podem mais contar com uma cultura de impunidade. É claro, inúmeros homens ainda ficam impunes ao atacar mulheres. Mas um número cada vez maior está sendo capturado, julgado e colocado atrás das grades.

Agências de ajuda estão gastando dezenas de milhões de dólares para construir novos tribunais e prisões ao longo do leste de Congo, em parte para punir estupradores. Cortes móveis estão realizando julgamentos de estupro em vilas no meio da selva, locais que não vêem um magistrado de túnica preta desde que os belgas governaram o país, décadas atrás.

A Associação Americana da Ordem dos Advogados abriu uma clínica legal em janeiro especificamente para ajudar vítimas de estupro a levar seus casos ao tribunal. Até agora o trabalho resultou em oito acusações. Aqui em Bukavu, uma das maiores cidades do país, uma unidade especial da polícia congolesa registrou 103 casos de estupro desde o início do ano, mais do que qualquer ano na memória recente.

Em Bunia, uma cidade mais ao norte, processos de estupro aumentaram 600% de cinco anos para cá. Investigadores congoleses chegaram a voar à Europa para aprender técnicas forenses avançadas para investigação de cena do crime. A polícia prendeu alguns dos agressores mais violentos, muitas vezes jovens milicianos, eles próprios traumatizados psicologicamente, que molestaram as mulheres com paus, pedras, facas e rifles.

“Estamos começando a ver resultados,” disse Pernille Ironside, funcionário da ONU no leste do Congo.

O número dos capturados ainda é pequeno se comparado aos agressores soltos, e muitas vezes os piores escapam porque são saqueadores que atacam vilas à noite, abusam de mulheres e então desaparecem no interior da floresta.

Isso tudo está acontecendo numa sociedade onde as mulheres tendem a ser espancadas de qualquer forma. Mulheres congolesas fazem a maior parte do trabalho – em casa, nos campos e no mercado, onde carregam enormes pacotes de bananas em suas costas curvadas –, e mesmo assim são freqüentemente impotentes. Muitas mulheres estupradas são obrigadas a não dizer nada. Muitas vezes o estupro é uma vergonha para toda a família, e muitas vítimas foram expulsas de suas vilas e se tornaram pedintes.

Grupos rurais vêm tentando mudar essa cultura, e começaram encorajando mulheres que foram estupradas a falar em fóruns abertos, como uma sala de tribunal cheia de espectadores, apenas sem um acusado.

No evento de Bukavu em meados de setembro, Kizende arrancou lágrimas – e ovações. Parece que o tabu contra falar sobre estupro está começando a se abrandar. Muitas mulheres na platéia usavam camisetas dizendo: “Eu me recuso a ser estuprada. E você?”

Dúzias de ativistas estão percorrendo vilas a pé e em bicicletas para levar uma simples mas importante mensagem: o estupro é errado. Grupos de homens estão sendo formados.

Mas essas melhorias são simplesmente as primeiras, tentativas em progresso num país extremamente conturbado.

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